quinta-feira, 14 de abril de 2016

Caso Richthofen


Por Cezar de Lima e Felipe Faoro Bertoni
O CASO
Os corpos do casal jaziam na cama. Ambos com severas lesões na cabeça. Havia respingos de sangue no chão, na cama e na parede. No interior da boca da mulher havia sido enfiada uma toalha. Apenas o quarto e mais um cômodo da mansão estavam revirados, e, no chão, ao lado do corpo do homem, havia uma arma com somente um cartucho deflagrado.
"O local do crime fala. Você apenas precisa aprender a sua linguagem. Sabia-se que a pessoa que cometeu esse crime era íntima da casa, pois seu modus operandi não era de um típico delito de latrocínio.” (Dr. Ricardo Salada, Perito Criminal)
Em outubro de 2002, no bairro do Campo belo, zona sul de São Paulo, na noite do dia 31, ocorreu um fato criminoso que, sem sombra de dúvidas, abalou o país. Era o início do “Caso Richtofen”.
Manfred e Marísia von Richthofen, foram atingidos com diversos golpes na cabeça por dois agressores (Daniel e Cristian Cravinhos), que ficaram conhecidos como “os irmãos Cravinhos”. O mórbido cenário guardava como pano de fundo um detalhe que chocaria a população brasileira, qual seja: o crime tinha sido planejado e comandado pela filha do casal, a bela Suzane von Richthofen, que na época dos fatos tinha apenas 18 anos de idade.
O homicídio fora movido pela seguinte razão: a família von Richthofen não aprovava o relacionamento amoroso entre Suzana (rica e culta) e Daniel (mais humilde e menos culto). A solução adotada pelo casal foi pragmática, ceifar a vida dos pais de Suzane.
Após a execução do plano, os criminosos resolveram simular um latrocínio, pois, dessa forma, sem a presença dos pais, Suzane poderia viver com seu namorado e, além disso, ganharia parte da valiosa herança deixada pelos seus pais. Para isso, contaram com a ajuda do irmão de Daniel, Cristian Cravinhos.
Os irmãos Cravinhos golpeando Manfred e Marísia (Arte/iG)
Na noite do crime, Suzane abriu a porta de entrada da casa permitindo que os irmãos Cravinhos tivessem acesso à residência. A partir daí, baseado nas confissões dos acusados no plenário do júri, Suzana teria subido ao segundo andar da casa e, após verificar que seus pais estavam dormindo, determinado que os irmãos cravinhos subissem e cometessem o homicídio, executando duros golpes na cabeça das vítimas.

A FAMÍLIA VON RICHTHOFEN

Tendo como patriarca um engenheiro alemão, naturalizado brasileiro, e matriarca uma renomada psiquiatra, a base familiar era constituída de uma educação rígida. Pelos relatos dos vizinhos, a família era muito discreta, dificilmente faziam festas na residência. Suzane, aos 18 anos, cursava Direito e falava três idiomas.

Suzane, Andreas, Marísia e Manfred

O CRIME

Suzane e os irmãos Cravinhos planejaram todo o crime. Na noite do fato, Suzane e Daniel Cravinhos, namorados, iniciaram o planejamento criminoso levando Andreas, irmão de Suzane, na época com 15 anos de idade, para uma lan house. Ao deixarem Andreas no cyber café, Cristian, irmão de Daniel, que estava próximo do estabelecimento, entrou no carro de Suzane, e os três dirigiram-se para a mansão dos von Richthofen.
O vigia da rua percebeu que o carro de Suzane ingressou na garagem da mansão por volta da meia noite. Ao adentrarem no pátio, Suzane abriu a porta da casa para que os irmãos Cravinhos, já de posse de barras de ferro, ingressassem na casa. A filha do casal subiu até o segundo andar, acendeu a luz do corredor e, após confirmar que seus pais estavam dormindo, determinou que os irmãos entrassem no quarto do casal.
Suzane teria separado sacos e luvas cirúrgicas para utilizarem no crime. Daniel golpeou o pai de Suzane (Manfred), enquanto Cristian golpeava a mãe (Marísia). Ambas as vítimas sofreram golpes na cabeça até a morte. Foram constatadas fraturas nos dedos da mão de Marísia, quem, segundo a perícia, teria tentado (em vão) se proteger, colocando a mão na cabeça. A violência dos golpes impediu qualquer reação do casal.
A cena do crime exalava crueldade, acentuada pela toalha suja de sangue que estava enfiada na boca de Marísia. O mórbido detalhe teria sido realizado, segundo a confissão de Cristian, pois a vítima, após os golpes, emitia sons parecidos com roncos, o que levou os agressores a concluírem que ela ainda estava viva.
Após verificarem que ambos estavam mortos, os agressores reviraram o quarto do casal e colocaram uma arma, calibre 38, de propriedade do pai de Suzane, ao lado do corpo de Manfred. No momento em que os agressores praticavam os golpes, não se tem certeza da posição de Suzane na casa, mas possivelmente estivesse aguardando o trágico desfecho no andar debaixo. Por outro lado, as investigações apuraram que Suzane estava junto com os irmãos Cravinhos no momento em que colocaram a toalha na boca de Marísia. Além disso, ela forneceu sacos plásticos para que os agressores depositassem as roupas e as barras de ferro usadas no crime para que pudessem descartar o material que nunca foi encontrado.
Como parte do plano, Suzane, utilizando uma faca, abriu uma maleta de seu pai, na qual sabia se encontrar dinheiro, e pegou cerca de oito mil reais, seis mil euros e cinco mil dólares, além de algumas jóias pertencentes ao casal, em uma vã tentativa de forjar um latrocínio, rapidamente descartado pelos investigadores. Tal quantia foi entregue a Cristian, como pagamento pela sua participação.
Após a execução, o casal de namorados passou para a última fase do plano: produzir um álibi. Após saírem da mansão e deixarem Cristian no apartamento onde morava, Suzane e Daniel foram para um motel na zona sul de São Paulo. Por lá, solicitaram a suíte presidencial, pagando o valor de R$ 300,00, sendo que Daniel solicitou uma nota fiscal da quantia. A intenção de criar um álibi impediu o casal de constatar o quão não usual era a conduta de solicitar nota fiscal para quartos de motéis. Essa desastrada medida somente ressaltou as suspeitas já existentes.
Cerca de 03h da manhã, o casal deixa o motel e busca o irmão de Suzane na lan house. Ao pegar o irmão Andreas, os três foram até a casa de Daniel e por volta de 04h da manhã Suzane e Andreas voltaram para casa.
Quando chegaram na mansão, Suzane teria estranhado o fato das portas estarem abertas. Andreas teria entrado na biblioteca da casa e gritado para os pais, enquanto Suzane foi até a cozinha, pegou um faca, e entregou ao seu irmão dizendo para que ele esperasse no lado de fora da casa. Nisso, depois de ligar para Daniel, Suzane se juntou ao seu irmão.
Daniel acionou a polícia e requisitou uma viatura, pois havia uma suspeita de assalto na casa de sua namorada.
No momento em que chegou a viatura, os policias militares, tomando o cuidado que a situação exigia, após ouvirem os relatos de Suzane e Daniel, que ainda estavam ao lado de fora da mansão, ingressaram na residência e notaram que a casa estava toda organizada, exceto o quarto do casal onde estavam os corpos.
Constatando o grotesco quadro que encontraram – Manfred e Marísia mortos na cama com severas lesões na cabeça – os policiais tomaram todos os cuidados para contar aos filhos das vítimas o que tinha acontecido. De imediato, após relatar o ocorrido, o Policial Alexandre Boto, estranhou a manifestação fria que Suzane fez ao receber a notícia de que seus pais estavam mortos. Sua reação teria sido: “O que eu faço agora?” “Qual é o procedimento?
De pronto, o policial verificou que algo estava errado e isolou toda a casa para que se preservasse a cena do crime.

Suzane durante o enterro de seus pais

AS INVESTIGAÇÕES

Desde o começo das investigações, a hipótese de latrocínio foi vista com muita desconfiança. Isso porque no local do crime muitos elementos chamaram atenção dos investigadores, como: (i) o fato de apenas o quarto do casal estar bagunçado; (ii) algumas joias terem sido deixadas no local; (iii) a arma da vítima não ter sido levada, etc.
Em busca de respostas, a polícia começou a investigar as pessoas mais próximas da família: filhos, empregados, colegas de trabalho. Não tardou a vir a tona a informação de que o relacionamento de Suzane e Daniel não era aceito pela família von Richthofen. A partir daí a investigação passou a considerar Suzane e Daniel como os principais suspeitos.
No decorrer das investigações, aportou à autoridade policial um elemento inesperado, qual seja, a informação de que Cristian Cravinhos, irmão de Daniel, teria realizado a aquisição de uma motocicleta e realizado o pagamento em notas de dólares. Intimado para prestar esclarecimentos, Cristian foi ouvido, simultaneamente, mas em ambientes separados, com Daniel e Suzane. Cristian não resistiu à pressão e foi o primeiro a sucumbir, tendo confessado o delito: “eu sabia que a casa ia cair”. Em seguida, Daniel e Suzane também sucumbiram.

Os irmãos Cravinhos (Cristian e Daniel) e Suzane

O JULGAMENTO

O julgamento do trio assassino demorou aproximadamente 6 dias, tendo início em 17 de julho e encerramento na madrugada de 22 de julho de 2006. Na sessão plenária os réus apresentaram versões conflitantes. Suzane afirmou que não teve qualquer participação no homicídio dos pais, que teria sido concebido e executado pelos irmãos Cravinhos.
Cristian, inicialmente, teria imputado a autoria a Daniel, afirmando não ter participação no duplo homicídio. Esclareceu que assumiu a autoria na fase investigativa na tentativa de auxiliar seu irmão a enfrentar uma pena mais baixa. Segundo relatou, teria tentado demover Suzane e Daniel do intento homicida, mas ambos estavam irredutíveis.
Daniel, por sua vez, afirmou ter sido “usado” por Suzane como instrumento para dar cabo ao plano por ela elaborado.
Posteriormente, Cristian prestou novo depoimento confessando sua participação no delito, afirmando que desfechou golpes em Marísia von Richtofen até a morte.
Durante o plenário, as provas foram trabalhadas e os peritos que funcionaram no caso explanaram seu entendimento com a exibição de imagens e as considerações técnicas sobre as perícias.
Ainda, foram lidas cartas de amor trocadas pelo jovem casal Suzane e Daniel, momento em que Daniel teve que ser retirado da sala de sessões, diante de seu descontrole emocional, ao passo que Suzane não demonstrou reação emocionada.
Após a votação na sala secreta, os jurados consideraram os três réus culpados da prática do duplo homicídio qualificado, tendo sido Daniel condenado à pena de 39 anos e 6 meses de reclusão, Suzane à pena de 39 anos de reclusão e Cristian 38 anos de reclusão.

O CASAMENTO NA PRISÃO

Durante o cumprimento de sua pena na prisão, Suzane von Richtofen se “casou” com Sandra Regine Gomes, conhecida como Sandrão, detenta condenada à pena de 27 anos de reclusão por sequestrar e matar um adolescente de 14 anos.
Caso Richthofen
Suzane e “Sandrão”

ATUALMENTE

Suzane von Richthofen, hoje com 32 anos de idade, encontra-se cumprindo a pena pela qual foi condenada, no regime semiaberto, tendo obtido recentemente autorização da justiça para realizar o curso de Administração de Empresas na Universidade de Anhanguera de Taubaté. O dia 11 de março de 2016 foi a primeira vez que Suzane deixou a prisão, em saída temporária, desde o ano de 2006, quando foi condenada.
Os irmãos Cravinhos também cumprem pena no regime semiaberto.
Suzane von Richthofen durante toda a investigação, processo e julgamento demonstrou-se fria e sem reações acaloradas. Será possível cogitar que, caso não tivesse sido presa pelo grave crime que cometeu em 2002, pudesse estampar a coluna de quinta-feira do Canal Ciências Criminais, sobre os Serial Killers?
REFERÊNCIAS
Documentário Investigação Criminal – Caso Suzane Von Richtofen
Richtofen: o assassinato dos pais de Suzane – Roger Franchini