Consulta realizada no último sábado não tem validade formal
Enquanto o mundo
presta atenção no desejo de parte dos moradores da Catalunha em separar o
território da Espanha, a maioria dos participantes do Plebisul, – plebiscito informal sobre a
criação de um novo país com a separação Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná do Brasil – votou favoravelmente ao
projeto separatista.
A votação ocorreu no último
sábado, das 8h às 17h, e a apuração alcançou 85,3% das urnas na
noite de deste domingo com 96,12% votos pela separação e 3,88%contrários de um total de 340.422 votos, menos de 2% do total de eleitores registrados nos três estados.
Juntos, RS, SC e PR têm 21.284.501 eleitores de acordo com as
estatísticas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O número de votos ficou
abaixo do esperado pela organização do movimento “O Sul é meu país“. A participação, porém, seria o
suficiente para que o grupo apresente um projeto de lei de iniciativa
popular às assembleias dos três estados para que um plebiscito
formal seja convocado em 2018, simultaneamente às eleições, de acordo com Celso
Deucher, um dos fundadores do grupo. “A gente tem um novo desafio, uma
peleia muito grande pela frente: teremos que convencer a maioria dos deputados
para que aprovem o projeto”, disse a Deucher, morador de
Lages, em Santa Catarina.
Em relação ao
número de participantes da votação, que em 2016 foi praticamente o dobro,
Deucher entende que as fortes chuvas e temporais que atingiram o Sul no final
de semana somados a 35% de urnas que não foram abertas podem ter prejudicado o
envolvimento dos “sulistas”. Para o líder separatista, as filas que se formaram
para assinatura do projeto também causaram desistências na participação.
No sábado, na urna acompanhada por
VEJA, a maioria dos participantes tinha como motivação para o voto pela
separação a corrupção
política e a crise econômica do país. “Nós somos
constrangidos a viver nessa miséria. Estou muito insatisfeita com a
administração de Brasília”, disse a dentista Denise Kaliolosly de Oliveira, de
58 anos. “A ideia é boa porque vai melhorar nossa economia, separando pode
melhorar muito”, disse a estudante Cristine Fontana, de 18 anos. Além dos
convictos pela separação dos três estados do Sul, há também quem ache a ideia
de um novo país “radical”, mas ainda assim votou a favor para expressar sua
indignação. “A ideia é um pouco radical, mas a separação dos governos me
agradaria. A gente tem um país com pouca ética, um governo muito centralizado e
pouco aberto. A administração fica descontrolada e acaba em corrupção. Sempre
se teve a ideia de que o Rio Grande do Sul é próspero, mas o estado também está
em crise”, disse o bancário Walter Germano Behz, que teme a privatização do
Banrisul, onde trabalha
“Começou
de novo essa ladainha?”, disse uma mulher contrária à separação que passou em
frente ao local de votação. “Quem é contra também pode votar e optar pelo não.
É uma consulta democrática”, explicou o voluntário Gilberto Amadeo Simon, de 50
anos. Das 8h até as 17h, “sem almoçar”, Simon será o responsável pela urna. O
servidor público se voluntariou há seis meses e desde então tem ajudado o
movimento. Por causa dele, Ronaldo Camboim Forcin, de 49 anos, também passou a
militar pela causa. “Há algum tempo já pesquisava sobre o assunto. Tinha uma
impressão errada, mas fui me aprofundando e entendi melhor a proposta”,
explicou Forcin. A desigualdade entre o que os estados do Sul entregam à União
em tributos e o que retorna como investimento é o que motiva os dois
voluntários a divulgarem a ideia de um novo país. “É corrupção, mas não só. É a
questão econômica”, disse Simon. Os dois discordam da ideia de que o
separatismo é xenófobo, uma das principais críticas dos contrários ao grupo. “Quem
pensa assim não está olhando para as nuances do movimento”, rebateu Simon.
Segundo a coordenadora do grupo no Rio Grande do
Sul, Anidria Rocha, a votação
está sendo “pacífica e tranquila”. O único incidente, de acordo com ela, é o
atarso de uma urna que não chegou a uma cidade distante. Moradora de São
Jerônimo, a 70 km de Porto Alegre, Anidria relata que o movimento é intenso nas
sete urnas da cidade. “Sempre tem gente votando, até um ônibus parou para o
cobrador e o motorista votarem”, conta a coordenadora.
Quem chega em uma urna recebe uma cédula com as
opções “sim” e “não”. Os voluntários ficam com um comprovante da cédula e o
voto é depositado em uma urna. Em seguida, os participantes são convidados a
assinarem o “Projeto de Lei de Iniciativa Popular” que será entregue às
assembleias legislativas dos três estados para que um plebiscito formal possa
ser convocado em 2018 simultaneamente às eleições de outubro do ano que vem.
Para ser votado oficialmente, o projeto precisa ter assinaturas de no mínimo 1%
dos eleitores de cada estado.
Apesar do desejo de formar um novo país
com os estados do Sul, o grupo esbarra no primeiro artigo da Constituição brasileira que
determina que o país é formado “pela união indissolúvel dos estados”.
Conscientes da barreira jurídica, os separatistas apelam para o direito
internacional alegando que proibir a separação do Sul descumpre o princípio da
“autodeterminação dos povos”. Para Luís Renato Vedovato, professor da Unicamp,
entretanto, a situação do Sul não se encaixa nas prerrogativas reconhecidas internacionalmente. “O
direito internacional só reconhece o direito à separação em três hipóteses:
jugo colonial [quando o país é colônia de outro], dominação estrangeira [quando
um país invade outro] e graves violações dos direitos humanos [como no caso do
Kosovo, que foi separado da Iugoslávia]”, afirma.
O professor é autor de um artigo publicado em 2016
em um periódico científico da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em
conjunto com Alexandre Andrade Sampaio. No texto, os docentes analisam as
particularidades do movimento separatista do Sul. “O que a gente percebeu é que
o movimento brasileiro é o único do mundo que não tem como reivindicação a
busca de mais direitos para aqueles que querem libertar. Eles têm como pauta
que o restante do país passou a ganhar mais”, disse Vedovato.
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