sábado, 16 de abril de 2016

O golpe que não existe

Uma visão sobre o atual impeachment

Publicado por Michel Palermo
Os últimos acontecimentos me fizeram adotar meu lado de formação acadêmica e deixar de lado a emoção política, analisando dentro de meu conhecimento, os fatos apresentados e as leis pertinentes, para chegar numa conclusão "lógico-legal" sobre o impeachment em andamento. Não ficaria bem com minha própria consciência sem saber se estava sendo levado pela razão ou pela emoção.
Em meu entendimento, após uma análise que irei demonstrar adiante, posso afirmar que NÃO VAI TER GOLPE.
O texto talvez seja um pouco longo, mas quiçá pode ser esclarecedor para quem ainda tem dúvidas sobre todo acontecimento político que tomou conta do Brasil.

O que são Pedaladas Fiscais?

Pedalada Fiscal, foi o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS.
O Tesouro e o Ministério da Fazenda cometiam esse atraso com o objetivo de fazer com que as contas federais parecessem melhor do que realmente estavam, pois ao não realizar a transferência de recursos, o governo apresentava em seu “balanço” mensalmente, despesas menores do que realmente eram. Uma maquiagem na demonstração contábil que enganava o mercado financeiro e os especialistas, e com isso possibilitava inúmeras opções financeiras que não seriam possíveis se fosse demonstrada a verdade.
Tal fato na vida privada é considerado crime, passível de pena de reclusão, como pode se verificar por exemplo na Lei 7.492/86.
Porém, os políticos de nosso país são de uma maneira inexplicável, tratados de forma diferente nas leis em questões que não deveriam, como se fossem verdadeiros inimputáveis e só podendo ser punidos excepcionalmente na vigência de leis específicas e altamente detalhadas, mas com possibilidades de diversas interpretações, além de ritos especiais e demorados, não podendo, retomando o exemplo, serem enquadrados em tal lei.

Os Fatos:

Com a fraca arrecadação e a necessidade de atravessar o ano eleitoral (e ganhar as eleições), o Ministério da Fazenda aprimora a prática iniciada em 2013 das pedaladas fiscais. Em março desse ano o governo estava atrasando os repasses às empresas do Minha Casa, Minha Vida.
Em julho de 2014 foi descoberta uma conta paralela da União em um banco privado que continha nada menos do que R$ 4 bilhões em créditos da União, e por estarem em uma instituição privada escapava ao sistema automático de verificação fiscal do Banco Central. Quando revelada publicamente essa conta esses R$ 4 bilhões foram incorporados às estatísticas fiscais, fazendo com que fosse modificado o resultado fiscal registrado naquele mês. Mais tarde, a investigação do TCU confirmou que os recursos (os R$ 4 bilhões) estavam relacionados a despesas da Previdência. Ou seja o governo deixou de repassar para previdência tais recursos.
No mesmo mês foram descobertos atrasos nos repasses de dinheiro pelo Tesouro Nacional ao setor elétrico, no montante de R$ 3,4 bilhões. Para que? Para melhorar as contas públicas.
Em agosto de 2014 a Caixa estava pagando 100% das despesas que por lei deveriam ser pagas com dinheiro do Tesouro. Ainda em agosto, foi revelado que o governo deixara de repassar quase R$ 8 bilhões ao Banco do Brasil.
Nesse mês o Ministério Público solicitou ao TCU, uma investigação sobre tais acontecimentos, que configurariam crime.
Em setembro e outubro, a presidente foi amplamente questionada sobre os rombos nas finanças públicas que iriam deteriorar a economia nos próximos anos, o que vem acontecendo, quando negou veemente tais "acusações", afirmando que a oposição estava tentando criar um fato eleitoral.
Em 2015, após uma longa batalha, o TCU descobriu e relatou as pedaladas fiscais que envolveram bancos oficias, a previdência e a Petrobras entre outros. E num julgamento histórico rejeitou as contas da presidente, o que foi também solicitado pelo Ministério Público.
Em abril de 2015, o Ministério Público Federal (MPF) viu indício de crime penal e abriu investigação por pedaladas fiscais. Segundo o relatório do procurador, ao antecipar recursos para cumprir obrigações que eram do Tesouro, os bancos fizeram empréstimos ao governo. O artigo 359-A do Código Penal proíbe "ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa". Segundo o procurador, "o crime é fazer uma operação de crédito tácito".
Em maio de 2015 o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi à Câmara dos Deputados e reconheceu que as pedaladas existiram. E disse ainda no TCU que as pedaladas atingiram um volume "muito excessivo".
Vendo-se acuado o governo começou a corrigir os “balanços” adequando as pedaladas, o que provocou um enorme rombo nas finanças nacionais e fizeram aprofundar a crise econômica do país. Segundo o TCU o balanço, referente a 2014, tem R$ 281 bilhões em "distorções", segundo os auditores, sendo que R$ 37,1 bilhões em "pedaladas fiscais" que foram omitidas das contas federais pelo governo.
Em julho de 2015 a dívida do Tesouro Nacional junto ao Banco do Brasil, referente as pedaladas chegava a R$ 16,4 bilhões.
Nesse mesmo mês, se descobre que mesmo com a indicação do TCU da irregularidade das pedaladas, o governo continuava a efetuar tal prática.
Ainda em julho descobre-se que a conta da Caixa para o seguro-desemprego fechou com déficit (por atrasos - pedaladas - do Tesouro) em 21 meses. E mais do que isso apura-se que em março de 2015, a conta da Caixa que paga o seguro-desemprego fechou com déficit.
Em agosto de 2015 o Ministério Público de Contas abriu investigação para apurar possíveis pedaladas fiscais em 2015, com dados da Caixa Econômica Federal e do Banco Central. E mais o governo começa corrigir os débitos com o BNDES e com o FGTS, que estavam pendurados pelo Tesouro Nacional.
Em outubro de 2015 o TCU rejeita de FORMA UNÂNIME as contas do Governo Dilma. Nesse mesmo mês o Ministério Público de Contas divulgou relatório apontando a manutenção de práticas ilegais em 2015. Continuando os Ministros da Fazenda e Planejamento e Casa Civil, negociam com o TCU forma e prazo para pagamento das pedaladas fiscais que ainda existem com o BNDES, R$ 27,2 bilhões e com o Banco do Brasil, R$ 13,5 bilhões. Com a negativa do TCU em parcelar as pedaladas, o rombo nas contas do governo chegou a R$ 76 bilhões.
Enfim em novembro de 2015, o ministro da Fazenda informou o Congresso que o total de pedaladas fiscais ainda existentes com o BNDES, Banco do Brasil, Caixa e FGTS chegavam a R$ 57 bilhões.

Dos Crimes

Sob o prisma legal a presidente ao autorizar a operação chamada de pedalada fiscal, se enquadrou na Lei 8.429/92 da Improbidade Administrativa, pois a lei determina explicitamente a improbidade causada pelos atos praticados e descritos em seu artigo 10º, incisos VI e IX, que se configuram independente de dolo, bastando a simples omissão, e também do artigo 11 em seus incisos I e II, pois claramente demonstrado, sem querer usar a subversão de termos da língua para mudar seu significado, que a presidente realizou operações financeiras sem observância das normas legais e ordenou ou permitiu a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento, sendo tais fatos ensejadores então da violação dos incisos do artigo 11 acima referidos.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje [...]
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
Só pela improbidade administrativa, já estaria possibilitado o processo de impeachment, pois tal conduta é vedada na Lei1.079/50, porém a presidente violou ainda o previsto na Lei Complementar 101/2000 (Responsabilidade Fiscal) em seu artigo29§ 1º conforme pode ser ver abaixo:
Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:
§ 1o Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16.
E a lei de responsabilidade é expressa ao determinar a proibição de operações de crédito entre bancos estatais e o governo:
Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:
II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;
Então resta configurado o crime de responsabilidade (Lei 1.079/50) pois a presidente ao cometer ato de improbidade e violar a lei orçamentária, além de reter o repasse de verbas, atingiu frontalmente o especificado nos artigos 4º, 10º e 11 da lei, como se vê:
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
V - A probidade na administração;
VI - A lei orçamentária;
Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;
4 - Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:
2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;
3 - Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;
Ao analisar ainda alguns itens relatados pelo AGU, encontramos resposta na própria lei ou nos atos da presidente. Alegou o ilustre par sobre a não existência de dolo da presidente, querendo se aproveitar do entendimento jurisprudencial do STJ que diz:
É inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei8.429/1992, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos artigos  e11 (que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente) e ao menos de culpa nos termos do artigo 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário.
A existência de dolo, resta plenamente configurada em vários momentos. Quando da campanha eleitoral em especial os debates, quando confrontada com o assunto negou a existência, mesmo sabendo de tudo. Confirma o dolo também o fato de a mesma ter (supostamente) cumprido o art. 54 da lei de responsabilidade fiscal: (Se não cumpriu cometeu outro crime)
Art. 54. Ao final de cada quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 Relatório de Gestão Fiscal, assinado pelo:
I - Chefe do Poder Executivo;
Parágrafo único. O relatório também será assinado pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo controle interno, bem como por outras definidas por ato próprio de cada Poder ou órgão referido no art. 20.
E, finalmente, mesmo após o início das investigações e orientações do TCU e do Ministério Público, continuou praticando os atos, mesmo amplamente alertada sobre as irregularidades, demonstrando total e livre vontade quanto aos fatos praticados.
Em outro momento, disse o AGU que não importavam os relatórios quadrimestrais se ao final do exercício tudo estivesse certo, o que viola a determinação legal do artigo 30 da mesma lei:
Art. 30. [...]
§ 4o Para fins de verificação do atendimento do limite, a apuração do montante da dívida consolidada será efetuada ao final de cada quadrimestre.
Ao dizer que a instabilidade econômica e baixa arrecadação fizeram com que o governo tivesse que reajustar o caminho e que isso era legalmente permitido, o Advogado Geral está coberto de razões, porém mesmo em tais casos existe um procedimento legal, que foi violado, pois diz ainda a lei de responsabilidade fiscal:
§ 6o Sempre que alterados os fundamentos das propostas de que trata este artigo, em razão de instabilidade econômica ou alterações nas políticas monetária ou cambial, o Presidente da República poderá encaminhar ao Senado Federal ou ao Congresso Nacional solicitação de revisão dos limites.
Num jogo de palavras quis o defensor descaracterizar o termo “empréstimo” para fugir da lei, dizendo terem ocorridos apenas atrasos em repasses. A leitura isenta de emoções, das leis, deixa claro que tais condutas também são vedadas. Porém, qualquer cidadão médio deve compreender que quando o banco paga alguma conta sua, sem você ter dinheiro na conta, para que depois você pague, configura um empréstimo por mais que se tente enganar os “espectadores” com essa falsa retórica.
Enfim, num embate com um “leigo” o relator do processo na comissão de impeachment, que disse que o AGU deveria ler aConstituição, atacou o nobre Advogado o mesmo, afirmando que no presente caso, no caso de dúvida estavam autorizando o processo da presidente, violando então o princípio “in dubio pro reu”.
Se o relator não fosse leigo, talvez pedisse para o nobre causídico apurar a jurisprudência do STJ, muito usada no Direito Penal, que diz que a presença de indícios de cometimento de atos de improbidade autoriza o recebimento fundamentado da petição inicial nos termos do artigo 17parágrafos 7º e , da Lei8.429/92, devendo prevalecer, no juízo preliminar, o princípio do “in dubio pro societate”.No processo, quando então em julgamento o réu então se aplica o “in dubio pro reu” pois nesse momento devem ser provados todos os fatos para que possa existir condenação e aplicação de penas.
Seguindo a pregação do Governo, deveríamos então afirmar que o Brasil não é um Estado Democrático de Direito e sim um Estado de Golpe, pois segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em março de 2010, o Brasil tinha mais de 2 mil gestores públicos e políticos enquadrados por improbidade, já processados e julgados.
Então Excelentíssima Sra. Presidente, devo concordar e afirmar categoricamente que NÃO VAI TER GOLPE!