Eles merecem ser bem remunerados, mas hoje conseguem aprovar leis que lhes conferem remuneração e outros benefícios acima do razoável
O país tomou conhecimento da estarrecedora
remuneração de um juiz
do Estado de Mato Grosso, que em julho último atingiu a expressiva
soma de R$ 503,9 mil. O juiz argumentou que a bolada decorria
de atrasados de benefícios obtidos de acordo com a lei. Outros 84 juízes
obtiveram a mesma vantagem em valores que passaram de R$ 100 mil.
O juiz
deve ter razão. São inúmeras as leis que têm criado incontáveis benefícios para o Judiciário e
para o Ministério
Público: planos de classificação de cargos,
auxílio-moradia, auxílio-creche e por aí afora. Juízes e procuradores recebem
salários sem correspondência no setor privado para níveis semelhantes de
conhecimento, complexidade e responsabilidade.
A origem disso tudo é a Constituição de
1988, que criou norma provavelmente inédita no mundo. Aqui, o Judiciário e o
Ministério Público têm autonomia para propor ao Congresso os seus próprios
orçamentos. Os altos salários surgiram de propostas orçamentárias, as quais
costumam ser integralmente aceitas pelos legisladores federais e estaduais.
A emenda constitucional nº 19 permitiu que o
Executivo vete essas propostas, mas não consta que o presidente e os
governadores tenham exercido tal prerrogativa, certamente com receio de
descontentar juízes e procuradores. O Judiciário e o Ministério Público mais do
que dobraram sua participação nos orçamentos. Estudos mostram que juízes e
procuradores auferem salários e benefícios superiores aos de seus pares nas
nações ricas.
Outro
efeito negativo da Constituição de 1988 foi a indexação de salários de
magistrados aos dos ministros do STF e do STJ. Pelo artigo 92, inciso V, o
subsídio mensal dos ministros do STJ corresponde a 95% daquele dos ministros do
STF. A regra deixa margem para que os salários dos demais juízes se acoplem aos
dos juízes do STF.
Desse modo, esses salários foram basicamente
uniformizados em todo o país. Estados mais pobres remuneram seus juízes e
procuradores em nível semelhante ao das unidades mais desenvolvidas. Isso reduz
sua capacidade de prover serviços públicos necessários, como saúde, educação,
segurança e de infraestrutura.
É chegada a hora de discutir seriamente essas e outras distorções
salariais no serviço público da União, dos Estados e dos municípios. É
imperioso evitar, pelo menos, a escalada que explica os escandalosos benefícios
de juízes como os de Mato Grosso.
Duas
mudanças constitucionais se impõem. Primeira, revogar a autonomia do Judiciário
e do Ministério Público para propor seus próprios orçamentos, cuja
justificativa, durante a Constituinte, era evitar que o Poder Executivo
arrochasse os seus salários e suspendesse a liberação de suas verbas
orçamentárias. Isso não fazia sentido naquela época e menos ainda nos dias
atuais.
A segunda medida seria restringir a norma do artigo
92 exclusivamente aos tribunais superiores e juízes da União. Cada Estado
fixaria os salários de juízes e procuradores em linha com sua capacidade
financeira e a estrutura de seus respectivos quadros funcionais.
Juízes e promotores merecem ser bem remunerados, mas não podem
constituir uma casta privilegiada
Por Maílson da Nóbrega
Revista VEJA
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