Dois dias após a Câmara barrar a
denúncia por corrupção passiva, com o apoio de 263 deputados, o presidente
Michel Temer disse que as mudanças na Procuradoria-Geral da República “darão o
rumo correto à Lava Jato”. Em seu gabinete, redecorado, Temer também não
descartou a possibilidade de troca de comando na Polícia Federal e afirmou que
nunca pretendeu destruir a operação da qual virou alvo. “O rumo certo é o
cumprimento da lei”, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast, quando questionado sobre qual caminho
vislumbra para a Lava Jato, de agora em diante. Autor da denúncia chamada por
Temer de “ridículo jurídico”, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
deixa o cargo em 17 de setembro.
Em
uma hora de entrevista, o presidente procurou amenizar as traições na base
aliada durante a votação da denúncia e apostou na aprovação de uma reforma da
Previdência mais enxuta em setembro. Temer afirmou que não haverá retaliação
aos infiéis, mas sugeriu que quem não vota com o governo deveria entregar os
cargos. Questionado sobre a divisão no PSDB, que ameaça deixar a Esplanada, ele
disse esperar apoio dos tucanos nas próximas batalhas no Congresso. “Quem
estiver sentindo-se mal no PSDB sairá do governo, não tenho dúvida. Não estou
dizendo o partido como um todo, porque lá há uma divisão muito grande.”
Procurado
nesta sexta-feira à noite, 4, para falar sobre as declarações do presidente,
Janot não respondeu até a publicação da entrevista.
O sr. conseguiu derrubar na Câmara a
denúncia de corrupção passiva, mas é possível que Rodrigo Janot apresente novas
acusações. Como governar com esta espada na cabeça?
A
Câmara cumpriu adequadamente uma missão constitucional e, ao final, o que se
verificou foi uma vitória muito significativa. E o que se alardeava é que não
haveria sequer quórum de 342 para que se começasse a votação. E esse quórum,
para a surpresa daqueles que anteviam uma catástrofe, se deu logo ao meio-dia.
Fico muito desagradado com os aspectos morais. Tenho muito orgulho do que
fizemos nestes 14 meses. Agora, o que me prende ao cargo é muito mais a defesa
da minha reputação moral. A denúncia é pífia, inepta. Se vier uma nova, vamos
enfrentá-la. Eu me sinto muito constrangido, porque tentam imputar-me uma pecha
de corruptor, de alguém que está violando os limites da lei, quando não sei bem
quem é que está violando os limites da lei. Eu não sou.
Janot pediu que o sr. e os ministros
Moreira Franco e Eliseu Padilha sejam incluídos no inquérito do “quadrilhão” do
PMDB. Como responde?
Respondo
com uma pergunta: Sabe quando o procurador fez isso, embora esse processo
esteja correndo há três anos? Às vésperas da votação do Congresso, o que está a
significar que, na verdade, ele passou a ter uma atuação muito mais de natureza
política, e quase pessoal, do tipo “quero ver qual é o time que ganha”, e não a
sua função institucional. Não se trata de disputas pessoais. Nem ele deve ter
disputa pessoal com o presidente da República, muito menos eu terei com ele.
Jamais lhe daria essa satisfação. Lamento é que ele, a todo momento, anuncie
que vai fazer uma nova denúncia, baseada nos mesmos fatos. É um gestual
político, institucionalmente condenável.
A base aliada encolheu após as
delações da JBS. Hoje o sr. não tem 308 votos para aprovar a reforma da
Previdência. Como vai reaglutinar a base?
Muita
gente que votou contra mim vota a favor da Previdência. Nós podemos chegar a
310 votos. O PSDB, por exemplo, teve, acho, que 20 votos e 5 ausências, uma
coisa assim (na verdade, foram 22 votos a favor de Temer, 21 contra e 4
ausências). São 25 votos e eu sei que eles têm compromisso com a
responsabilidade fiscal, sempre pregaram isso.Mas como vai rearrumar essa base?
Dialogando. Sem retaliação. Quem vota permanentemente contra o governo e faz
parte da base está a indicar aos seus eleitores que não quer participar do
governo. Então, o governo diz assim: “Bom, eu vou facilitar a sua vida”. Em
outros episódios, alguns até tiveram a delicadeza institucional de dizer “Olha,
eu não estou podendo votar com o governo, de modo que os cargos que eu tiver aí
pode eliminar”. Eu acho que muitos até pedirão para eliminar os seus cargos.
O sr. pretende fazer uma reforma
ministerial para rearrumar a base?
Não
penso. Estou preocupado com as reformas estruturantes do País, é isso que me
preocupa. As circunstâncias é que vão determinar, ditar o nosso comportamento.
Não foi constrangedora a negociação
de emenda em plenário no dia da votação?
Vocês
vão ficar estarrecidas. (Irritado,
Temer volta-se para auxiliares e pergunta: “Cadê aquela coisa das emendas,
hein? Estava aqui sobre a minha mesa”). Vou mostrar alguns casos do
PT e vocês verão quem mais recebeu. São emendas impositivas e eu sou obediente
à lei. Não posso negar e dizer “impositivas eu dou para os da base e não dou
para os da oposição”. Há pessoas (da oposição) que empenharam R$ 10 milhões, quando
muitos da base empenharam R$
4 milhões...
Mas no dia da votação, no plenário?
Isso
não aconteceu. O que aconteceu foi que o Imbassahy (ministro da Secretaria de
Governo) voltou para o plenário para votar e lá muitos foram a ele para falar
de emendas, e alguém ouviu ele falar que iria empenhar livremente as emendas
como têm sido liberadas. Aliás, muita gente que ganhou muito dinheiro nos
empenhos votou contra.
Como contar com o PSDB para outras
votações sendo que o partido está rachado e praticamente metade da bancada
votou contra o senhor?
Mas
será que eles votam contra o Brasil? Eu não acredito que eles votem contra o
Brasil. O PSDB sempre diz: “Olha, temos compromisso com as reformas. Não
interessa quem está no poder”.
O sr. está magoado ou irritado com o
PSDB? Vai dar um prazo para os tucanos decidirem se ficam ou saem do governo?
Não.
Nem magoado nem irritado. Você sabe que presidente da República não pode ficar
magoado nem irritado. Pode, muitas vezes, ficar decepcionado. Mas decepcionado,
com pena daquele que votou assim ou assado, porque daí eu é que fico com pena
do sujeito.
Dizem que o seu governo está refém do
Centrão.
Não
sou refém de nenhum partido.
Parlamentares do Centrão ameaçam não
aprovar a reforma da Previdência, caso o sr. não puna quem o traiu na votação
de quarta-feira.
Os
próprios que não votam com o governo vão se sentir pouco à vontade de
participar de um governo que não apoiam. Tenho a impressão de que vão acabar
saindo.
O sr. também está se referindo ao
PSDB?
Quem
estiver sentindo-se mal no PSDB sairá do governo, não tenho dúvida. Não estou
dizendo o partido como um todo, porque lá há uma divisão muito grande.
Com essa crise, o PMDB terá candidato
próprio em 2018?
A
minha preocupação é 2017. Estou fixado em 2017 e nas reformas estruturais. 2018
chegará sua vez. Lá que vamos examinar.
Em setembro de 2015, o sr. disse a
empresários que era difícil a então presidente Dilma resistir e chegar ao fim
do mandato com uma popularidade tão baixa (à época 7% a 8%). O sr. tem agora
5%. Como conseguirá governar mais um ano e meio sendo tão impopular?
É
que há uma diferença entre a impopularidade daquela época e a desta. Acredito
que a minha impopularidade, para usar o vocábulo, decorre das reformas que
estou fazendo. Portanto, o reconhecimento virá depois. Vejam um caso
impressionante como esse, de uma autorização para processar o presidente da
República. Vocês estiveram na frente do Congresso? Fotografaram na frente do
Congresso? Vocês estiveram na época do impeachment? Fotografaram na época do
impeachment? (com
tom de voz mais elevado). A notícia que tenho é de que agora tinha
três pessoas lá na frente, duas saíram e daí ficou uma só. Sem graça, foi
embora.
O sr. não tem receio de delações de
Lúcio Funaro e Eduardo Cunha?
As
pessoas estão cansadas disso. Primeiro, não conheço Lúcio Funaro, segundo, não
sei o que ele vai dizer. Portanto, não posso falar sobre hipóteses. Não tenho
nenhuma preocupação com isso. Eduardo Cunha, sim, foi líder do PMDB, foi
presidente da Câmara. Às vezes me perguntam, como é que você falava com ele?
Meu Deus, estou falando com o líder do PMDB, com o presidente da Câmara... E eu
não devo falar com ele?
Vai ter mudança na Polícia Federal?
Não
sei. Este é um assunto que está sendo estudado pelo Ministério da Justiça.
O sr. acredita que, com a entrada de
Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República, haverá alguma mudança?
Pelo
que conheço da procuradora Raquel Dodge, ela vai cumprir rigorosamente o que a
lei estabelece. Onde houve delito ela vai continuar. Não tenho a menor dúvida
disso. Acho que, pelo histórico dela e conhecimento jurídico, ela vai cumprir
rigorosamente as funções que compete ao procurador-geral.
E todas essas mudanças na PGR, na PF
e no Supremo Tribunal Federal darão um novo rumo para a Lava Jato?
Darão
o rumo correto à Lava Jato. Ninguém nunca pretendeu destruir a Lava Jato. Eu
não ouvi o depoimento de nenhum agente público que dissesse vamos paralisar a
Lava Jato, ninguém. Muito menos de ministros do Supremo ou membros da
Procuradoria ou do governo. Ninguém disse isso.
E qual é o rumo certo?
O
rumo certo é o cumprimento da lei. Rigorosamente o cumprimento da lei. Não há
como descumprir a lei sob pena de criar instabilidade social.
Nas denúncias contra o senhor, acha
que foi cumprida a lei?
Prefiro
não comentar, porque tudo isso estará um dia sob a avaliação do Judiciário. Mas
faço um registro: alguns deputados, quando votaram, disseram: “O presidente
será investigado”. Sabe qual é a suposição? Que o relator do STF vai ouvir
testemunhas, chamar pessoas, pegar matérias. A investigação é algo que antecede
a denúncia. O que se quer é o seguinte: como não se fez investigação durante o
inquérito, vão agora, depois da denúncia. Isso é de um ridículo jurídico que
envergonha qualquer aluno do segundo ano da Faculdade de Direito.
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