A JBS retira do exterior 87% de sua receita de operações
A agonia não é só
no Brasil. A JBS começa a enfrentar percalços nos Estados Unidos por causa da
suspeita de que o ex-procurador Marcello Miller possa ter trabalhado como
agente duplo, atuando no acordo para a empresa enquanto estava na
Procuradoria-Geral da República.
A suspeita travou as
negociações de um acordo com o Departamento de Justiça, segundo a reportagem
apurou.
O caso da suspeita é considerado extremamente grave pelas
autoridades americanas porque Miller era o interlocutor do Ministério Público
Federal com os americanos.
A partir da revelação da hipótese de que fazia jogo duplo, os
americanos colocaram em xeque a negociação.
O acordo é considerado vital para a sobrevivência da JBS por
causa das pesadas multas que os americanos impõem a empresas corruptas.
A JBS retira do exterior 87% de sua receita de operações. Os
EUA, onde tem 56 fábricas e é dona de marcas tradicionais como a Swift,
respondem por 51% da receita total.
Há um agravante: como a JBS tem fábricas nos EUA, as propinas
pagas no Brasil são uma violação da lei americana que proíbe empresas de lá de
pagar suborno no exterior.
Sem o acordo nos EUA, o cenário mais provável é que os irmãos
Joesley e Wesley Batista, sócios que controlam o negócio, sejam afastados da
empresa, segundo cinco especialistas ouvidos pela reportagem.
NOVOS
ADVOGADOS
A JBS já fez uma tentativa para retomar as negociações: trocou o
escritório que dialogava com o Departamento de Justiça, o Baker McKenzie, por
um outro que só atuava com normas éticas, o White & Case. O Baker McKenzie
é ligado ao escritório que Miller trabalhou no Brasil quando deixou a
Procuradoria, o Trench Rossi Watanabe.
O Trench demitiu Milller em julho, quando se tornou pública a
suspeita sobre o ex-procurador. Ele nega ter praticado irregularidades.
"Os EUA jamais fecham acordo com um advogado sob
suspeita", diz afirma Sylvia Urquiza, especializada em
"compliance", termo que designa regras anticorrupção.
Para ela, o Departamento de Justiça exige que os advogados
tenham uma ética irretocável porque eles serão os responsáveis pela
autoinvestigação que a empresa fará.
Com a prisão de Joesley e Wesley e a rescisão do contrato de
delação, as perspectivas para a JBS são as piores possíveis no Brasil e nos
EUA, de acordo com especialistas.
A JBS fez dois tipos de acordo com as autoridades brasileiras:
de delação, para livrar as pessoas físicas da prisão, e de leniência, no qual a
empresa pagou uma multa de R$ 10,3 bilhões para se livrar de todas as punições.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rescindiu o
acordo de delação porque os Batistas teriam mentido e omitido crimes. O acordo
de leniência, por sua vez, foi parcialmente suspenso pela Justiça de Brasília.
Com a rescisão, as provas apresentadas pelos delatores ainda
podem ser usadas.
Se ficar provado que Miller orientou Joesley a gravar o
presidente Michel Temer, o acordo poderá ser anulado junto com as provas.
Os cinco especialistas ouvidos pela reportagem dizem crer que o
acordo de leniência será anulado, o que geraria um caos jurídico e econômico
para a JBS.
Se esse cenário se confirmar, o acordo com os EUA se tornará
ainda mais distante, de acordo com Sylvia Urquiza.
A norma americana determina que as empresas façam acordos em seu
país de origem ao mesmo tempo em que acertam seus tratos nos EUA, como ocorreu
com a Odebrecht. Era o que a JBS tentava até eclodir o episódio Miller.
Sebastião Tojal, professor do curso de direito da USP e que
atuou nos acordos de leniência da Andrade Gutierrez e UTC, diz que a confusão
dos acordos da JBS traz perspectivas muito ruins para o instrumento da delação.
"Os acordos de delação e de leniência vão diminuir, o que é
um pecado porque as empresas precisam ser salvas para preservar empregos. Fora
que os acordos trouxeram ganhos investigatórios muito grande."
Um advogado que já atuou em acordos no Brasil e nos EUA afirma
que a JBS cometeu pecados capitais em série para os padrões morais dos
americanos: mentiu, omitiu e manipulou o mercado de ações.
Segundo esse padrão, é aceitável fazer um acordo com um gângster
arrependido, mas não com um mentiroso.
OUTRO
LADO
A JBS não quis se pronunciar sobre os percalços que enfrenta
para fechar acordo nos EUA. A confidencialidade é uma das cláusulas que o
Departamento de Justiça impõe às empresas que negociam tratos após confessarem
práticas corruptas.
O ex-procurador Marcello Miller também não quis se manifestar.
Em ocasiões anteriores, ele disse que jamais atuou como
procurador e advogado da JBS ao mesmo tempo. Também afirmou que jamais instrui
o empresário Joesley Batista a gravar conversas com o presidente Michel Temer.
A reportagem procurou a assessoria de comunicação do escritório
Baker McKenzie em Nova York, mas não houve resposta às questões enviadas.
Segundo o ex-procurador, as menções ao seu nome em gravações de
Joesley Batista são "fantasiosas".
O escritório Trench Rossi Watanabe diz que está colaborando com
a Justiça brasileira. Em nota, a banca diz que "conduziu apuração interna,
e documentos coletados foram entregues pelo escritório à Procuradoria-Geral da
República, em um sinal da disposição demonstrada desde o primeiro momento em
contribuir para o esclarecimento dos fatos".
Segundo o escritório, "os contratos de todos os profissionais
envolvidos nas investigações foram encerrados".
Ainda de acordo com a banca, "Trench Rossi Watanabe
reafirma que seguirá à disposição das autoridades competentes, sempre
respeitando os princípios éticos e de transparência que pautaram seus mais de 50
anos de trajetória no mercado jurídico brasileiro".
O Trench Rossi Watanabe não quis responder por que pagou uma
passagem aérea para Marcelo Miller viajar entre o Rio de Janeiro e São Paulo em
fevereiro deste ano, quando ele ainda era procurador da República.
O código de ética do escritório, que segue padrões dos Estados
Unidos, proíbe o pagamento de passagens a funcionário público. Essa prática
pode configurar o crime de corrupção.
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